Rio de Janeiro, 29 de Maio de 2006

Caro Murilo,

É com grande satisfação e emoção que recebi sua carta. Obrigado pelos elogios e pelos parabéns (mesmo com 20 anos de atraso). É muito gratificante saber que meu jogo agradou.

O motivo da demora em respondê-lo é porque fazia muito tempo que eu não checava a minha caixa postal porque atualmente estou morando temporariamente na casa de um amigo meu no interior do Estado, mais especificamente em Rio das Ostras, nós estamos estudando intensamente para fazer um concurso cuja prova será em setembro. Só de vez em quando é que eu venho à capital passar alguns dias e depois retorno para Rio das Ostras para continuar nossa maratona de estudos. E foi justamente numa dessas minhas voltas à capital que eu fui checar a minha caixa postal e me deparei com a sua carta: que surpresa agradável!

A sua carta reacendeu uma chama em mim que há muito tempo estava apagada. Ela foi capaz de despertar sentimentos adormecidos de um passado distante. Resolvi saciar um pouco a curiosidade e digitei as palavras "ZX 81 EM BUSCA DOS TESOUROS" no Google, páginas do Brasil. O primeiro site que apareceu foi www.grude.ufmg.br, com um texto muito legal sobre o EBdT e a difícil saga para consegui-lo. Quem assina o texto é Muriloq. Suponho que seja você. Se for, saiba que achei o texto, a história, a maneira como foi escrito, sua saga pessoal, determinação e tudo o mais muito legal. Me senti honrado em saber que eu era o pivô de tanto aloroço.

Em Busca dos Tesouros faz parte de um momento mágico em minha vida. Usando as suas próprias palavras: "Que tempo bom, que não volta nunca mais". Que saudade fodida. De lá pra cá muita coisa aconteceu, naturalmente. A vida foi me levando por caminhos totalmente diferentes daqueles relacionados aos computadores, e eu fui cada vez mais me distanciando da programação de jogos, o que me deixou muita saudade. Os anos foram passando (e rápidos), eu fui crescendo, as coisas foram acontecendo, e o EBdT foi ficando para trás, guardado num cantinho especialmente reservado para ele em minha memória e em meu coração. Para ser sincero, nunca mais eu havia comentado com ninguém sobre o jogo nos últimos anos, talvez 10 ou 15 anos ou mais até. Muito disso se deve ao fato de que o meu meio não era mais o mundo dos computadores, eu passei a conviver com pessoas e ambientes que não tinha muita afinidade com eles, logo não adiantaria mencionar "um jogo feito há 10 ou 15 anos atrás para uma maquininha que não existe mais". Não teria o menor sentido. E assim foi. Segui com a vida, afastado dos computadores, e com o EBdT arquivado (mas não esquecido). E qual não foi a minha surpresa quando me deparei com a sua carta: "ei, é o meu jogo! Alguém está falando bem dele, está dizendo que gostou muito dele, e ainda, que também conhece um monte de gente que também gostam (sic) do meu jogo!". Foi uma surpresa e tanto! Me pegou totalmente desprevenido. Lembranças afloraram, e com elas sentimentos dos bons. Imagens do meu antigo quartinho, onde ficava tardes e tardes programando. Uma cadeira, uma mesa de madeira, uma TV de 20 polegadas preto-e-branco, um "computador" TK-82C pretão, um gravador tijolão, fitas K-7, cadernos, lápis, borrachas, rascunhos, blocos de papéis milimetrados, a chama acesa do desafio que se abria na minha frente. O convite explícito dos códigos assembly me dizendo: "Como é? Empacou ? E agora ? Como é que fica ? Dá teu jeito, resolve essa charada, mané!". Mais uma vez lhe peço emprestado as suas palavras: "que tempo bom que não volta nunca mais". Que saudade fodida.

Programar o EBdT foi uma tarefa solitária. Mas muito gratificante - a cada nova fase concluída eu me sentia mais animado para seguir em frente. De vez em quando aparecia lá em casa algum amigo meu e me via programando, com esboços de desenhos, cadernos espalhados, o TK-82C na mesa comigo, digitando os códigos, e me perguntava: "o que você está fazendo ?". Eu respondia: "Estou fazendo um jogo para esse computador". E aí ele perguntava: "você sabe fazer jogos ?". Eu respondia: "estou tentando". E só. Eram testemunhas silenciosas e passageiras do processo. Graças a Deus consegui terminá-lo, senão hoje não estaria escrevendo essa carta (nem você teria tido os "16 KB de Alegria").

O processo todo durou quase um ano, com algumas pequenas interrupções. Muitos bugs apareceram (acho que naquela época a palavra bug ainda não tinha o significado que tem hoje) para serem consertados, dezenas e dezenas deles. Consertava um, aparecia outro. O mais difícil, entretanto, não era consertá-los, e sim, achá-los. Eles se escondiam muito bem escondidos, os filhos da puta. Surgiam do nada, como que por mágica, ou sacanagem, num quebra-cabeças sem fim, até o "dia D", o dia do grande BFB - Big Fucking Bug, que quase pôs tudo a perder. Esse dia foi foda. Eu havia terminado e testado à exaustão todas as rotinas e sub-rotinas de programação individualmente, _TODAS_. Estavam funcionando perfeitamente bem. Aí chegou a hora de juntar tudo, finalizar o jogo e realizar o sonho: a versão final, definitiva, o jogo concluído, prontinho para ser jogado, finalmente se concretizaria. E assim foi: juntei tudo, digitei todos os códigos, num trabalho que levou semanas, salvei o programa e mandei ver. E aí aconteceu: depois da apresentação e da tela de instruções apareceu a primeira tela do jogo - TELA 001 - e pronto. Tudo congelado. Cristalizado. Pressionava as teclas e nada. Travado, lacrado, selado. Por alguma razão estranha e inexplicável funcionavam perfeitamente bem quando testadas sozinhas, mas quando juntei tudo para fazer a versão final, elas se "recusaram" a funcionar. Decepção total. Era tarde da noite, estava exausto, ansioso, decepcionado e sonolento demais para quebrar o computador. Deixei tudo como estava e fui dormir na esperança de que quando eu acordasse no dia seguinte o BFB - Big Fucking Bug - estivesse se resolvido por si só...

Graças a Deus, depois de vários dias quebrando a cabeça, num trabalho de paciência e várias tentativas de desistência, finalmente consertei o BFB e... Bingo! O jogo começou a funcionar. Quase não acreditei. E aí comecei a jogá-lo ininterruptamente. Queria zerá-lo de qualquer jeito. Queria ver se aparecia mais algum bug inexplicável. Queria ver se jogar o EBdT em sua versão final era realmente bom. Queria, queria, queria.

Há alguns meses atrás (sic) eu li num exemplar EGM - Electronic Gaming Monthly - que atualmente um jogo de PS2 do porte de GTA, por exemplo, tem de 30 a 40 mil bugs na sua versão final. 30 a 40 mil bugs para serem consertados. Naturalmente o EBdT não chegou nem perto disso, mas teve algumas dezenas, todos consertados, exceto dois, que eu só fui descobrir meses depois (os bugs são foda, eles se escondem inexplicavelmente e você só vai percebê-los muito tempo depois; acho que é por isso que são chamados de INSETOS). Um deles você já deve ter visto, naturalmente: é o bug do pulo. Ele aparece da seguinte forma: se você estiver correndo para um lado e pular rapidamente para o outro lado (sem parar o Kid K. Sador) e o momento do pulo coincidir com ele de perna aberta, aparecerá na tela um pequenino quadrado. É a ponta do pé dele, que eu me "esqueci" de apagar. Esse bug não interfere em nada no jogo. Mas não deixa de ser um bug. O outro você vai encontrar nas telas onde aparecem as paredes esmagadoras. Há um bug nas paredes esmagadoras. Se você ainda não descobriu como é, fica aí a sugestão e o desafio de descobri-lo. Será divertido.

Também tem algo que eu coloquei propositalmente no jogo que PARECE um bug mas não é. É como o Denorex: parece, mas não é. É o que eu chamo de LETHAL TRAP. Uma idéia que surgiu quando eu estava confeccionando as telas do jogo, uma por uma. De repente, me veio um lampejo: o que acontecerá se eu colocar uma isca (um tesouro) aqui ? Simples: o jogador descerá pelo elevador, irá pegar a isca, e quando voltar... bingo! O elevador estará de novo em cima. Não vai dar mais para subir nele. Voltar também não tem saída. E agora ? O jogador ficará parado por alguns minutos pensando: "como é que eu saio daqui ?". E depois de um tempo bravejará: "estou preso!". Que maravilha. Bem-vindo à LETHAL TRAP! Ficará revoltado, dirá que o jogo tem um erro de programação, que não presta, xingará meio mundo, e descobrirá depois de um tempo, decepcionado, que a ÚNICA saída é o GAME OVER. Terá de morrer todas as suas vidas restantes e reiniciar o jogo tudo de novo, desde a tela 001. Tenho certeza que da próxima vez ele não mais cairá na mesma lethal trap novamente ! Às vezes a lethal trap não precisa nem de isca para prender o jogador, como o da tela 051. Se o jogador descer naquele elevador e voltar, em vez de seguir em frente... Lethal trap nele!

E você, Murilo ? Mais uma vez, desculpe a demora em lhe responder. Você zerou o jogo ? Recebeu os parabéns da caveira ? Conseguiu zerar o jogo somente com as nove vidas iniciais, ou usou o POKE das vidas infinitas ? Se você cair numa lethal trap com vidas infinitas aí fodeu. Terá de carregar o jogo novamente. Sei que fiz o jogo difícil, porque sempre gostei de jogos difíceis. Difícil mas não impossível. Como, por exemplo XEVIOUS, GHOST'N'GOBLINS, COMMANDO (esse um dos mais difíceis que já vi). Para mim, jogos fáceis são desestimulantes, não oferecem desafios. Dizem que NINJA GAIDEN, para o Xbox, é o jogo mais difícil jamais feito. Não posso comentar porque nunca joguei.

Quanto à mim, a minha situação atual é a seguinte: recentemente pedi demissão do meu emprego anterior, faz mais ou menos quatro meses, eu e um amigo, e estamos estudando juntos, na casa dele, em Rio das Ostras, interior do estado do Rio de Janeiro, em tempo integral, para fazermos um concurso em setembro. Nossa maratona de estudos está girando em torno de 15 horas por dia. Estamos apostando todas as fichas nesse concurso. Uma decisão arriscada, parecida com algumas decisões que temos que tomar quando estamos jogando um bom jogo. Afinal de contas, a vida é um jogo. Não sabemos o que vai acontecer, na "próxima tela". Vamos ver o que é que dá. É por isso que no momento eu estou absolutamente sem tempo para qualquer outra coisa fora os estudos. Não posso desviar o foco por enquanto. Por isso, eu pediria a compreensão sua e a de todos os outros fãs do EBdT pela minha atual situação. Não poderei dar-lhes a devida atenção no momento. Mas futuramente, quando as coisas se resolverem, terei o maior prazer em falar com vocês. Poderemos fazer o que você sugeriu: um encontro / entrevista "ao vivo", será muito legal, eu me sentirei honrado.

Um EBdT II ? Hum... sei não. Acho que estou velho demais pra isso. Nunca tinha me passado pela cabeça, nunca tinha pensado nisso antes. Não tenho mais intimidade com códigos de programação como antes. Hoje as linguagens mais usadas para jogos são C++ e Java. Não as conheço. Mas quem sabe ? Afinal de contas, a vida é um jogo e nunca sabemos o que vai acontecer na próxima tela... Em último caso, poderia entrar como designer de fases... Também tem outra coisa: teria de ser tomado um cuidado ENORME para que a nova versão não destruísse o lado CULT do jogo, como já aconteceu com excelentes jogos no passado, cuja seqüência foi um completo desastre (River Raid, por exemplo).

Sempre gostei de videogames, desde a época do Atari, e até hoje eu aprecio um bom jogo. Já perdi a conta de quantos jogos eu já zerei (incluindo o EBdT, of course). Consegui zerar o EBdT duas vezes, mas isso depois de muito tempo jogando. Queria provar pra mim mesmo que ele era "zerável", apesar de difícil. Na primeira vez que zerei sobrou apenas uma vida, e na segunda vez, sobraram duas vidas. Zerar o EBdT com "apenas" as nove vidas iniciais não é uma tarefa fácil. Atualmente eu tenho um PS2.

Suas perguntas são muito boas, algumas exigirão uma resposta mais longa, mais detalhada, que eu preferiria comentar futuramente, depois da prova. Esse momento está sendo crucial para mim, se eu passar na prova, ótimo, tudo estará resolvido. Senão, terei de voltar ao meu antigo emprego, e não sei se a mesma empresa me aceitará de volta, caso contrário terei de entrar no longo processo de envio de currículos, espera chamada, faz entrevisa, aguarda resposta, etc., etc., etc.

Como você mencionou na carta, você é engenheiro de software. Acho que esse é um dos fatores que fez com que você apreciasse tanto o EBdT. Aos olhos de um programador, um programa adquire um novo significado, pois ele sabe que o processo de confecção das rotinas e sub-rotinas de programação, elaboração dos gráficos, correção de bugs, os quebra-cabeças que aparecem, conversão das instruções para códigos hexadecimais, digitação desses códigos, união de todas as coisas, a paciência envolvida no processo todo não é uma tarefa simples. Atualmente não sou mais programador, e nunca me considerei alguém especial só por ter conseguido fazer o EBdT. O que dizer de John Carmack, o criador de DOOM e QUAKE ? O FDP conseguiu programar o DOOM original praticamente sozinho, num TRAILER, com alguns computadores durante vários anos. Numa entrevista que concedeu à revista CGW - Computer Gaming World - o mesmo disse que às vezes ficava trancado durante vários dias seguidos no TRAILER sozinho programando numa média de 18 horas por dia de programação!

Até há alguns anos atrás eu ainda tinha muita coisa relacionada ao EBdT, os blocos de papéis milimetrados com todas as 313 telas do jogo, os esboços dos personagens, desenhos dos jacarés, cipó, aranhas, etc. Mas como houve muitas mudanças de endereço muita coisa se perdeu nos processos de mudanças, infelizmente. Quando eu fui pra Natal, há três anos atrás, eu revirei algumas caixas de papelão que estavam guardadas empoeiradas num quartinho nos fundos, reservado para quinquilharias. Minha intenção era jogar muita coisa fora. E para minha surpresa, o caderno _ORIGINAL_ do jogo, com o código fonte estava lá. Todas as instruções da linguagem de máquina, uma por uma, linha por linha, mais ou menos comentada. Todas, do começo ao fim, organizadas por título, por exemplo: JACARÉS, ARANHAS, LAGO, etc. Depois de ler sua carta, entrei em contato com minha mãe para ela dar uma procurada para ver se o caderno ainda existe. Ela me disse que jogou muita coisa fora daquele quartinho, e que não mais encontrou o caderno lá, mas acha que não o jogou fora, apenas mudou de lugar, e ficou de me dar a resposta. Caso positivo, terei o maior prazer em enviá-lo para você, será uma honra.

Não possuo mais o TK-82C pretão original que eu usei para fazer o jogo. Nem mesmo a fita K-7 do jogo eu tenho mais. Nem o gravador tijolão que eu usava. Tudo se perdeu nos processos de mudança de endereços, que foram muitas. É uma pena. Era para eu tê-los guardados. Hoje eu me arrependo. Mas a vida continua, como um jogo, só que não podemos jogá-lo com nove vidas (nem dar um POKE para vidas infinitas), temos que nos contentar com apenas umazinha e só. E detalhe: com tempo cronometrado, regressivo e rápido, e sempre sem saber o que acontecerá na próxima tela. Bem mais difícil do que os jogos virtuais. Mas também bem mais emocionante.

É isso aí, Murilo. Vou ficando por aqui. Desejo sucesso em sua carreira. Obrigado pela carta e pelo reconhecimento do meu trabalho. Entrarei em contato futuramente, quando a minha vida estiver em ordem; por enquanto estou atravessando um momento delicado. A prova será em setembro, e o resultado no fim de outubro. Darei notícias com certeza. Valeu por tudo.

Tadeu

(desenho dos três quadros de animação do personagem do EBdT)

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